Voltava
ali todos os dias para ouvir os silêncios daquelas gentes que não mais povoavam
os corredores escuros daquela casa. Minha memória divagava, mas ainda recordava
ter vivido as belas tardes de domingo, os almoços com a família, a presença dos
amigos, das tias velhas, das primas mal crescidas, as canções tiradas ao violão
inebriando saudades que viriam. Tudo se esvaía como fumaça, não do caldeirão
usado para esquentar o “cumezim”, mas
do pó de ossos de minhas lembranças. Voltava ali todos os dias a cercear
saudades. Mas... A casa vazia e largada se enche de vozes e tudo se estraga.
Quero o silêncio, mas ele se quebra pelas tão dolorosas vozes que não se
escutam pelos ouvidos, mas pelos olhos. Tapei-os na esperança de expulsá-las no
instante em que elas brincavam de ciranda em torno de mim, acordando imagens já
completamente livres, risonhas e nuas, quase pornográficas; imagens vivas de
coisas mortas e pessoas em estado de adeus. Assim, de olhos fechados, já não
ouvia palavras e era assim que eu gostava, era assim que eu me acalmava, pois o
silêncio me chamava e era por ele que estava a visitar sempre aquele lugar. Mas
algo estranho aconteceu: passei eu a ser o silêncio daquela casa, que já não
era mais casa, mas uma campa, onde passei a morar como se não existisse...
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
quinta-feira, 2 de outubro de 2014
Noturnos
Os
tempos difíceis, a tristeza n’alma como se a noite fosse toda ela presença que
se agarra nas lembranças que não querem mais se esquecer. Os Noturnos, belos e profundos como o
oceano de nós mesmos, cedem à melancolia cadenciada harmonia de seus dedos
correndo soltos pelas teclas que já são, por si, a dicotomia entre o claro e o
escuro de nossas estranhas escolhas que tendem a nos embalar pelos sonhos que
insistimos em ter. O menino que usava as noites para se iluminar, como os
vagalumes, era o contrário dos adultos que o rodeavam e que sempre o tinham
como um sonhador. Indagado sobre esse seu comportamento, o pequeno pianista
interrompia em breves segundos sua lição para responder: “O problema não é
sonhar; o problema é sempre recordar o que não se sonhou...” E mais uma nota
soava em noites que se completavam no vazio. Como é bom o desencher.
Assinar:
Postagens (Atom)