segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Haicai!



Sábado passado fiz uma viagem à Virgem da Lapa. Saí com o dia ainda escuro e tive a bênção de vê-lo clarear na estrada ao som dos passarinhos que anunciavam sua chegada, e um haicai me veio como presente...

Entrelinhas - Livre como um passarinho




“Pronto! Todo o esforço valeu a pena! Cheguei neste auditório como Alvinho e saio como Doutor Alvarenga Peixoto! As intermináveis provas, as leituras que me tiraram o sono... Tudo aqui neste diploma. Agora é ir para a advocacia e ser livre como um passarinho...”
            Lembrar dessas suas palavras ditas à vinte anos naqueles minutos fugidos para o café, enquanto olhava pelas grades da janela de seu escritório, o fazia lembrar do amigo de infância de quem um dia sentiu pena por não ter, como ele, estudado as letras. Agora sentia pena de si no meio daquelas repartições, petições e processos igualmente intermináveis, enquanto em algum lugar da rua, talvez em alguma praia ouvindo o barulho do mar e sentindo a leve brisa do vento em seus cabelos, o amigo iletrado vendia seus biscoitos recheados. Assim pensava quando foi interrompido por ter sido chamado às pressas para mais uma audiência no mesmo instante em que um passarinho voou do peitoral da janela levando no bico um pedacinho de “sonho”...

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Entrelinhas - Recortes

Escrever nos espaços onde as palavras já não são necessárias...

Desiludido, escreveu num pedaço de papel: “Meu amor não tem rosto nem nome...” Aquilo o incomodou até que o tempo anestesiou sua dor. Por alguns anos até que procurou a dona daquelas palavras que saíram de si. Já tinha uma pequena caixa de recortes onde se via imagens de mulheres sem nudez ou sequer sensualidade. Vestidos em Bustos, braços, pernas, todas elas comuns e sem rosto, se faziam companheiras do papel já amarelado e esquecido quase com suas letras desbotadas. A inércia daquele encontro e a insistência da sua impossibilidade fez com que desistisse de vez e aposentasse suas imaginações por anos, vivendo apenas em sua companhia. Já idoso, porém, ao limpar sua estante, se deparou com aquelas lembranças e quis jogá-las fora. À porta de sua casa, abriu a tampa da coleta e, no derradeiro movimento, ouviu uma voz que lhe disse: “Meu nome é Judite e preciso de uma informação...” Ao fitar a senhora que sorria, seu rosto se desenhou em cada pedacinho de papel que segurava e, junto com o nome, preencheu o que faltava...

sábado, 11 de janeiro de 2014

Entrelinhas - Despedida

Escrever nos espaços onde as palavras já não são necessárias...



Levantou cedo. Era seu último domingo naquela casa de roça em que viveu desde que nasceu. Planejara, com o irmão mais novo, fazer tudo como de costume para sua despedida. O irmão, com uma tristeza n’alma, nada dizia, só acompanhava. Subiram em árvore, comeram fruta do pé, deitaram na rede e escutaram os passarinhos, correram na chuva e caçaram borboletas quando o sol sorriu trazendo o arco-íris; andaram a cavalo, comeram bolo de fubá e guardaram as migalhinhas para pescar... A tarde já findava quando, na beira do lago, o irmão mais novo, quebrando o silêncio do dia, perguntou para o irmão mais velho o porquê ele estava indo embora. Ante a resposta de que era para ganhar muito dinheiro, ele ainda quis saber para que. Após jogar a última isca na água, veio a derradeira resposta: “Para um dia ter uma vida tranquila.” E não houve mais perguntas...