A morte andava a ser íntima daquela
família. Exercia-se com dedicação e visitava-a de quando em sempre sem um
minuto de trégua. Instalava-se sem alvoroço, sem choro, o que era pior. É na
quietude e no silêncio que os vermes trabalham e a pior morte é a que acontece
ainda em vida bem aos poucos e devagar. Já não conversavam, apenas suportavam
as lembranças de bons dias existentes apenas em sonhos que aceleravam ainda
mais o sofrimento da perda do que nunca tiveram e o desejo de que fosse física
a empreitada; mas não: era na alma, sem anteparos. A mãe cozinhava para matar a
fome; o pai trabalhava para matar o tempo; os filhos morriam um pouco por dia a
cada minuto à medida que cresciam, e tudo era silêncio. Assim, enquanto os dias
se entrelaçavam com as noites – campa preferida dos mortos – o pai chamou um
dos filhos, o mais velho, e quebrando o silêncio disse apontando a terra magra
e sofrida em que viviam ao cair de uma das tardes: “Vês? Ninguém assiste ao
funeral, grande enterro do dia. Por isso a morte nos espreita e nos é
companheira inseparável”. Aproveitando a rara chance da conversa, o menino
amiudado arriscou uma pergunta:
_ Pai, por que não vamos embora daqui?
Levamos a mãe e os irmãos.
E a resposta veio fria, como não
podia deixar de ser: “Porque já fomos há muito tempo...”