O Tesouro da Serra do Curral
Caro
amigo, você tem medo de fantasmas? Sim ou não? Pois é... Durante algum tempo
hesitei se deveria ou não abrir esta história ao conhecimento de todos, ou
melhor, estas histórias, pois foram muitas as contadas pelo meu amigo finado.
Sinto-me um tanto perplexo com a possibilidade de me acharem desviado das
ideias e quererem me internar num manicômio, mas como fugir da realidade de ter
sido escolhido o seu ouvinte? De fato, o meu herói – pois acabou por se tornar
para mim um grande herói – escolheu-me. Hesitei, como disse, por um bom tempo,
suficiente para encher-me de coragem e perder o medo do que as pessoas poderiam
dizer, o que inclui o leitor e, respeitosamente, dar-lhes uma bela e ostentosa
“banana”. Não, não estou nervoso. É apenas um desabafo íntimo. É preciso convir
que uma pessoa que recebe, pontualmente como se verá, a visita de um ectoplasma
ilustre, com um gosto refinado para o café e um bom papo madrugada à dentro e
que, além disso, vinha guardando e duvidando se deveria ou não dizer, mas louco
para fazê-lo, merece um instante de vazão. Caso me contradigam, dizendo: “Você
é um louco”; “fanfarrão”; “contador de histórias”, não tem importância. Medo já
não tenho mais e, a propósito deste último xingamento, devo elucidar que seria
injusto, pois histórias nunca soube contá-las, embora as aprecie; eu apenas as
ouvia, por sinal muito bem traçadas e até diria interpretadas pelo meu amigo
defunto, ou melhor, morto, pois defunto já não era mais. Antes que eu me renda
à tentação de teorizar sob a diferença de ser defunto e ser morto, vamos à
história, ou pelo menos parte dela.
Mas
antes, também, que a paciência lhes falte, o que seria extremamente triste para
mim que depois de tanto pensar se deveria ou não abrir, como disse, essas
histórias, que neste caso é apenas uma delas, vamos a três rápidas
considerações. Bem, primeiro a história em si não é de fantasma. Como devem ter
percebido, a história me foi contada por um; segundo, e essa
foi por muito tempo a minha dúvida de acharem-me louco, pois uma coisa é contar
histórias de assombração como nossos avós nos contavam e que hoje fariam as
crianças rirem ao invés de terem medo, e outra é contar histórias contadas por
um fantasma, que é bem diferente. E a terceira consideração é a que se segue...
Num
tempo muito distante, em datas muito longínquas, existiu um certo homem com
nome senhoria, e no plural! Chamava-se Reis, Aarão Reis. Além do “S” do Reis,
até o “A” era plural, o que mostra como era genial. E foi ele, juntamente com
alguns amigos, que arquitetou a chamada Nova Capital que hoje nada mais é que a
nossa tão linda e formosa cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Isso foi
lá pelos anos de 1896. Puxa...! Mas o conheci na verdade, assim pessoalmente
como venho dizendo, em uma livraria na Rua Pernambuco, na Praça da Savassi em
Belo Horizonte há uns dois meses. E já se tornou o meu melhor amigo, amigo
inseparável. Reis é mesmo um camarada especial... Engenheiro civil de formação,
dotado de espírito público e profunda cultura humanística... Assim é o meu
amigo Reis, que adentrou, com domínio incomum, os campos da eletrotécnica, da
hidráulica, da termodinâmica, angariando respeito e elevado prestígio
profissional. E foi além! Consagrou-se como administrador público, deixando
raízes em todo o país através de significativas realizações nos cargos por que
passou. Sintonizado com o seu tempo, Reis foi alçado a mandato efetivo, em
reconhecimento ao seu valor e compromisso com as causas abolicionistas e
republicanas! Nossa..., e hoje é o meu amigo Reis! Aarão Reis. E a partir de
então tomamos café juntos no intervalo da ronda. É que sou segurança lá na
livraria, sabe? Assim, levo um cafezinho gostoso que é pra reforçar o lanche
das duas... Duas da manhã que é quando bate à porta o meu amigo Reis. Acham que
estou brincando? É verdade! Reis, apesar de fantasma, é educado. Não chega
entrando, não. Bate à porta como todo cidadão de bons costumes. Quando ele
chega é uma fumaceira dos infernos, quer dizer, do céu, que é onde ele está com
toda a sua glória de grande homem importante. Garboso, calvo e com o seu grande
cavanhaque respeitoso, chega tossindo, coitado e, agora, deu até para espirrar.
É que com tanta fumaça acabou ficando alérgico. Ele sempre chega dizendo:
_ “Cof, cof, cof... Toda vez é esse suplício... Na hora de vir para o
mundo dos vivos é uma tal de fumaça que não me aguento. Não sei porque motivo
associam fumaça a fantasmas! Athim! Além de me fazer tossir agora me faz
espirrar. Athim! É tanta fumaça que acabei ficando alérgico. Vou reclamar isso
à divindade administrativa! Athim!” – E assim chega o meu amigo
Reis...
Bem,
mas deixemos isso de fumaça só para os fantasmas, que ainda não é um problema
nosso e vamos, afinal, à história... É que no novo mundo do Reis, lá o da
fumaça, já não estavam mais aguentando de tanto o ouvirem contar as histórias
daqui. Diziam: _ “Reis, Reis... Desse jeito teremos que mudar você do
departamento dos fundadores para o departamento dos contadores de história!” –
E não é que ele gostou da ideia? Tratou rapidinho de aprontar a documentação
necessária e se transferiu de departamento. Ainda bem que lá no outro mundo
também tem contadores de história, assim ele começou a participar do “Era Uma
Vez na Calada do Céu”, que é um projeto que reúne as almas todo primeiro domingo
do mês que queiram contar suas histórias...
Mas
deixamos de tanta tagarelice e vamos logo à história. Lembro-lhes que se tiver
alguma coisa estranha ou algo que não lhes agrade, quem me contou foi o Reis
num dos nossos papos na livraria. A bem da verdade foi o primeiro e este
acontecimento acabou por modificar a minha vida por completo. Creio não ser
necessário neste instante relatar o susto que tomei com sua primeira aparição.
Deixo isso para a imaginação dos leitores. Agora quero contar-lhes a história
como marco inicial da minha modificação. Ele me contou uma história até muito
conhecida das pessoas. A história de um homem muito azarado que resolveu
procurar Deus para saber o porquê de seu azar. Essa história, como disse,
muitas pessoas já conhecem e não é o motivo de nossa atenção. O motivo é
extremamente outro, pois o que as pessoas não sabem é que essa história, tão
contada e conhecida, começou aqui em nossa cidade. E foi no ano em que o Reis
era ainda criancinha e que sua avó contava que existia em nossas terras um
tesouro escondido. Uma mina de ouro em certo trecho da encosta da Serra das
Congonhas, hoje Serra do Curral. Muitas pessoas, em vez da mina, falavam em um
tacho cheio de moedas e barras de ouro. Outros, ainda, diziam que era um baú
repleto de brilhantes e diamantes, e há aqueles que apostavam que era um
escaravelho de ouro dos tempos dos gregos que por magia foi parar em nossas
terras. Mas isso pouco importa... O que importa mesmo é que era uma riqueza de
encher os olhos.
Pois bem, o tesouro, seja ele qual era, foi procurado por
muita gente. Vinham pessoas de todos os cantos do mundo, dos lugares mais
conhecidos aos mais esquecidos para procurar a almejada riqueza, mas ninguém a
encontrava. Até que certo dia, um português, mais feliz, depois de muito
procurar, resolveu descansar em baixo de uma grande árvore de jacarandá.
Enquanto todos procuravam, cada qual nos lugares que pareciam mais propícios, o
português, debaixo do jacarandá, viu que a árvore quase já não tinha folhas e,
ao olhar para as outras árvores ao redor, ficou curioso ao perceber que todas
estavam bem esgalhadas e com muitas folhas. _”Por que só o jacarandá estaria
desfolhado?” _ pensou. Bem, ele levantou e voltou ao trabalho, mas o jacarandá
não mais lhe saía da cabeça... Ele trabalhava, trabalhava e olhava o jacarandá;
trabalhava, trabalhava e olhava de novo. Ficou assim por um bom tempo até que
um pensamento brotou-lhe na cabeça: _”O tesouro está ali, enterrado debaixo do
jacarandá! A árvore desfolhada no meio de tantas outras com folhas é um sinal!”
Ele teve tanta certeza que naquele dia não mais procurou. Sentou de novo
debaixo da árvore e esperou que todos fossem, como todo os dias acontecia,
embora para suas casas tristes e desanimados. Quando se viu sozinho, danou a
cavar e cavar até que ouviu um pam! Era um batido seco da pá em uma
coisa que parecia uma caixa... Viu que a tal coisa era imensa e percebeu que
impedia que as raízes do jacarandá respirassem aliviadas. Ele pensou: _”Por
isso as folhas caiam...” – Assim, por mais que fizesse, não conseguia tirar a
caixa de lá. O tesouro era tanto, mas tanto, que, mesmo fechada, a caixa
irradiava aqueles raiozinhos dourados pelos lados como nas figuras dos livros
de contos. O português realmente não teve dúvidas: acabou por achar o tão
falado e almejado tesouro.
Esperto como ele só, tratou de ficar bem caladinho e
não contou nada a pessoa alguma. Como o tesouro era muita coisa e também muito
pesado, o português o deixou lá enterrado e embarcou para o seu país, onde pretendia
chamar apenas seus amigos e parentes para ajudá-lo a desenterrar a riqueza
encontrada. Acontece que ao chegar à sua casa o português adoeceu e, num tempo
de três dias, morreu. Mas antes de morrer, ele entregou à sua esposa um mapa
com o desenho do lugar onde estava escondido o tesouro. E sua mulher, como o
marido, nada disse a ninguém. Esperou que o filho crescesse para lhe contar o
precioso segredo e dar-lhe o mapa de presente. Assim, tempos depois e já com
mais idade e conhecedor do segredo, o rapaz embarcou para o Brasil, vindo para
o Curral del Rei. Com o mapa nas mãos, procurou, procurou em todos os cantos.
Cavou em vários lugares que lhe pareceram os mais acertados, inclusive debaixo
do jacarandá e... nada! No dia seguinte a mesma coisa, e no outro a mesma...
Apesar de muito trabalho, nada achou. Em vão ele procurou a mina ou o tacho,
nunca souberam o que era de verdade. Até que um dia, cansado como o pai, ele
encostou-se no tronco da árvore para respirar por uns segundos. Mas quando fez
isso, sentiu que os olhos lhe pesaram. Olhou para cima e viu que a árvore, como
havia lhe dito a mãe, já não tinha folhas com exceção de uma única que estava
quase se soltando bem no último galho acima de sua cabeça. Como havia cavado em
todo ao redor da árvore e nada encontrara e como sentia o cansaço forçá-lo a
deitar, um pensamento, como o pai, no entanto bem diferente, lhe ocorreu:
_”fora um sonho! Meu pai havia adormecido e sonhado com o tesouro enterrado
debaixo da árvore”. _ Este pensamento deu-lhe um baque; também foi um pam seco,
mas não de pá na caixa e sim no seu coração. Olhou para o lado, bem pertinho de
si, e viu que ainda havia um lugar para cavar, o último que sobrara. Não teve
forças... Com dificuldade olhou para a folha, também última, que acabara de
desprender de seu galho e, bruxuleando no ar, veio caindo, caindo em sua
direção... Antes que tocasse o chão, seus olhos, pesados, se fecharam e, para
continuar sendo diferente do pai, não mais se abriram. E até hoje, diz a lenda,
que o tesouro continua escondido, e o lugar... Bem, isso ninguém sabe dizer.
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