sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Histórias de um certo Aarão e outros casos contados

O Tesouro da Serra do Curral



             Caro amigo, você tem medo de fantasmas? Sim ou não? Pois é... Durante algum tempo hesitei se deveria ou não abrir esta história ao conhecimento de todos, ou melhor, estas histórias, pois foram muitas as contadas pelo meu amigo finado. Sinto-me um tanto perplexo com a possibilidade de me acharem desviado das ideias e quererem me internar num manicômio, mas como fugir da realidade de ter sido escolhido o seu ouvinte? De fato, o meu herói – pois acabou por se tornar para mim um grande herói – escolheu-me. Hesitei, como disse, por um bom tempo, suficiente para encher-me de coragem e perder o medo do que as pessoas poderiam dizer, o que inclui o leitor e, respeitosamente, dar-lhes uma bela e ostentosa “banana”. Não, não estou nervoso. É apenas um desabafo íntimo. É preciso convir que uma pessoa que recebe, pontualmente como se verá, a visita de um ectoplasma ilustre, com um gosto refinado para o café e um bom papo madrugada à dentro e que, além disso, vinha guardando e duvidando se deveria ou não dizer, mas louco para fazê-lo, merece um instante de vazão. Caso me contradigam, dizendo: “Você é um louco”; “fanfarrão”; “contador de histórias”, não tem importância. Medo já não tenho mais e, a propósito deste último xingamento, devo elucidar que seria injusto, pois histórias nunca soube contá-las, embora as aprecie; eu apenas as ouvia, por sinal muito bem traçadas e até diria interpretadas pelo meu amigo defunto, ou melhor, morto, pois defunto já não era mais. Antes que eu me renda à tentação de teorizar sob a diferença de ser defunto e ser morto, vamos à história, ou pelo menos parte dela.
            Mas antes, também, que a paciência lhes falte, o que seria extremamente triste para mim que depois de tanto pensar se deveria ou não abrir, como disse, essas histórias, que neste caso é apenas uma delas, vamos a três rápidas considerações. Bem, primeiro a história em si não é de fantasma. Como devem ter percebido, a história me foi contada por um; segundo, e essa foi por muito tempo a minha dúvida de acharem-me louco, pois uma coisa é contar histórias de assombração como nossos avós nos contavam e que hoje fariam as crianças rirem ao invés de terem medo, e outra é contar histórias contadas por um fantasma, que é bem diferente. E a terceira consideração é a que se segue...

            Num tempo muito distante, em datas muito longínquas, existiu um certo homem com nome senhoria, e no plural! Chamava-se Reis, Aarão Reis. Além do “S” do Reis, até o “A” era plural, o que mostra como era genial. E foi ele, juntamente com alguns amigos, que arquitetou a chamada Nova Capital que hoje nada mais é que a nossa tão linda e formosa cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Isso foi lá pelos anos de 1896. Puxa...! Mas o conheci na verdade, assim pessoalmente como venho dizendo, em uma livraria na Rua Pernambuco, na Praça da Savassi em Belo Horizonte há uns dois meses. E já se tornou o meu melhor amigo, amigo inseparável. Reis é mesmo um camarada especial... Engenheiro civil de formação, dotado de espírito público e profunda cultura humanística... Assim é o meu amigo Reis, que adentrou, com domínio incomum, os campos da eletrotécnica, da hidráulica, da termodinâmica, angariando respeito e elevado prestígio profissional. E foi além! Consagrou-se como administrador público, deixando raízes em todo o país através de significativas realizações nos cargos por que passou. Sintonizado com o seu tempo, Reis foi alçado a mandato efetivo, em reconhecimento ao seu valor e compromisso com as causas abolicionistas e republicanas! Nossa..., e hoje é o meu amigo Reis! Aarão Reis. E a partir de então tomamos café juntos no intervalo da ronda. É que sou segurança lá na livraria, sabe? Assim, levo um cafezinho gostoso que é pra reforçar o lanche das duas... Duas da manhã que é quando bate à porta o meu amigo Reis. Acham que estou brincando? É verdade! Reis, apesar de fantasma, é educado. Não chega entrando, não. Bate à porta como todo cidadão de bons costumes. Quando ele chega é uma fumaceira dos infernos, quer dizer, do céu, que é onde ele está com toda a sua glória de grande homem importante. Garboso, calvo e com o seu grande cavanhaque respeitoso, chega tossindo, coitado e, agora, deu até para espirrar. É que com tanta fumaça acabou ficando alérgico. Ele sempre chega dizendo: _ “Cof, cof, cof... Toda vez é esse suplício... Na hora de vir para o mundo dos vivos é uma tal de fumaça que não me aguento. Não sei porque motivo associam fumaça a fantasmas! Athim! Além de me fazer tossir agora me faz espirrar. Athim! É tanta fumaça que acabei ficando alérgico. Vou reclamar isso à divindade administrativa! Athim!” – E assim chega o meu amigo Reis...
            Bem, mas deixemos isso de fumaça só para os fantasmas, que ainda não é um problema nosso e vamos, afinal, à história... É que no novo mundo do Reis, lá o da fumaça, já não estavam mais aguentando de tanto o ouvirem contar as histórias daqui. Diziam: _ “Reis, Reis... Desse jeito teremos que mudar você do departamento dos fundadores para o departamento dos contadores de história!” – E não é que ele gostou da ideia? Tratou rapidinho de aprontar a documentação necessária e se transferiu de departamento. Ainda bem que lá no outro mundo também tem contadores de história, assim ele começou a participar do “Era Uma Vez na Calada do Céu”, que é um projeto que reúne as almas todo primeiro domingo do mês que queiram contar suas histórias...


            Mas deixamos de tanta tagarelice e vamos logo à história. Lembro-lhes que se tiver alguma coisa estranha ou algo que não lhes agrade, quem me contou foi o Reis num dos nossos papos na livraria. A bem da verdade foi o primeiro e este acontecimento acabou por modificar a minha vida por completo. Creio não ser necessário neste instante relatar o susto que tomei com sua primeira aparição. Deixo isso para a imaginação dos leitores. Agora quero contar-lhes a história como marco inicial da minha modificação. Ele me contou uma história até muito conhecida das pessoas. A história de um homem muito azarado que resolveu procurar Deus para saber o porquê de seu azar. Essa história, como disse, muitas pessoas já conhecem e não é o motivo de nossa atenção. O motivo é extremamente outro, pois o que as pessoas não sabem é que essa história, tão contada e conhecida, começou aqui em nossa cidade. E foi no ano em que o Reis era ainda criancinha e que sua avó contava que existia em nossas terras um tesouro escondido. Uma mina de ouro em certo trecho da encosta da Serra das Congonhas, hoje Serra do Curral. Muitas pessoas, em vez da mina, falavam em um tacho cheio de moedas e barras de ouro. Outros, ainda, diziam que era um baú repleto de brilhantes e diamantes, e há aqueles que apostavam que era um escaravelho de ouro dos tempos dos gregos que por magia foi parar em nossas terras. Mas isso pouco importa... O que importa mesmo é que era uma riqueza de encher os olhos. 


Pois bem, o tesouro, seja ele qual era, foi procurado por muita gente. Vinham pessoas de todos os cantos do mundo, dos lugares mais conhecidos aos mais esquecidos para procurar a almejada riqueza, mas ninguém a encontrava. Até que certo dia, um português, mais feliz, depois de muito procurar, resolveu descansar em baixo de uma grande árvore de jacarandá. Enquanto todos procuravam, cada qual nos lugares que pareciam mais propícios, o português, debaixo do jacarandá, viu que a árvore quase já não tinha folhas e, ao olhar para as outras árvores ao redor, ficou curioso ao perceber que todas estavam bem esgalhadas e com muitas folhas. _”Por que só o jacarandá estaria desfolhado?” _ pensou. Bem, ele levantou e voltou ao trabalho, mas o jacarandá não mais lhe saía da cabeça... Ele trabalhava, trabalhava e olhava o jacarandá; trabalhava, trabalhava e olhava de novo. Ficou assim por um bom tempo até que um pensamento brotou-lhe na cabeça: _”O tesouro está ali, enterrado debaixo do jacarandá! A árvore desfolhada no meio de tantas outras com folhas é um sinal!” Ele teve tanta certeza que naquele dia não mais procurou. Sentou de novo debaixo da árvore e esperou que todos fossem, como todo os dias acontecia, embora para suas casas tristes e desanimados. Quando se viu sozinho, danou a cavar e cavar até que ouviu um pam! Era um batido seco da pá em uma coisa que parecia uma caixa... Viu que a tal coisa era imensa e percebeu que impedia que as raízes do jacarandá respirassem aliviadas. Ele pensou: _”Por isso as folhas caiam...” – Assim, por mais que fizesse, não conseguia tirar a caixa de lá. O tesouro era tanto, mas tanto, que, mesmo fechada, a caixa irradiava aqueles raiozinhos dourados pelos lados como nas figuras dos livros de contos. O português realmente não teve dúvidas: acabou por achar o tão falado e almejado tesouro. 

Esperto como ele só, tratou de ficar bem caladinho e não contou nada a pessoa alguma. Como o tesouro era muita coisa e também muito pesado, o português o deixou lá enterrado e embarcou para o seu país, onde pretendia chamar apenas seus amigos e parentes para ajudá-lo a desenterrar a riqueza encontrada. Acontece que ao chegar à sua casa o português adoeceu e, num tempo de três dias, morreu. Mas antes de morrer, ele entregou à sua esposa um mapa com o desenho do lugar onde estava escondido o tesouro. E sua mulher, como o marido, nada disse a ninguém. Esperou que o filho crescesse para lhe contar o precioso segredo e dar-lhe o mapa de presente. Assim, tempos depois e já com mais idade e conhecedor do segredo, o rapaz embarcou para o Brasil, vindo para o Curral del Rei. Com o mapa nas mãos, procurou, procurou em todos os cantos. Cavou em vários lugares que lhe pareceram os mais acertados, inclusive debaixo do jacarandá e... nada! No dia seguinte a mesma coisa, e no outro a mesma... Apesar de muito trabalho, nada achou. Em vão ele procurou a mina ou o tacho, nunca souberam o que era de verdade. Até que um dia, cansado como o pai, ele encostou-se no tronco da árvore para respirar por uns segundos. Mas quando fez isso, sentiu que os olhos lhe pesaram. Olhou para cima e viu que a árvore, como havia lhe dito a mãe, já não tinha folhas com exceção de uma única que estava quase se soltando bem no último galho acima de sua cabeça. Como havia cavado em todo ao redor da árvore e nada encontrara e como sentia o cansaço forçá-lo a deitar, um pensamento, como o pai, no entanto bem diferente, lhe ocorreu: _”fora um sonho! Meu pai havia adormecido e sonhado com o tesouro enterrado debaixo da árvore”. _ Este pensamento deu-lhe um baque; também foi um pam seco, mas não de pá na caixa e sim no seu coração. Olhou para o lado, bem pertinho de si, e viu que ainda havia um lugar para cavar, o último que sobrara. Não teve forças... Com dificuldade olhou para a folha, também última, que acabara de desprender de seu galho e, bruxuleando no ar, veio caindo, caindo em sua direção... Antes que tocasse o chão, seus olhos, pesados, se fecharam e, para continuar sendo diferente do pai, não mais se abriram. E até hoje, diz a lenda, que o tesouro continua escondido, e o lugar... Bem, isso ninguém sabe dizer.

            Mas a história não termina aí. Acontece que o moço havia se casado com uma moça brasileira, e desse casamento nasceu um menino muito azarado. Dizem que o motivo do azar era a ganância dos pais que só pensavam no bendito tesouro e que, como os avós, só queriam dividir com quem era da família. Se isso é verdade eu não sei. O que sei é que o menino era mesmo muito azarado e assim foi crescendo, crescendo até virar adulto. Um dia, não aguentando mais de tanta azar, o menino, agora homem feito, resolveu procurar Deus, o Todo Poderoso, para perguntar por que Ele deu tanta sorte para alguns enquanto para outros tanto azar. Mas isso é uma outra história... E se você quer saber é só passar lá na livraria no intervalo das duas... Duas da manhã que é quando bate à porta o meu amigo Reis...




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