quarta-feira, 5 de março de 2014

Entrelinhas - O chamado

José levantou cedo naquele dia sentindo um impressionante chamado de Deus. Dentro dele algo acontecia que o impulsionava a sair em busca de inusitado encontro. Uma vez que não sabia aonde ir, logo veio em sua mente o óbvio: a igreja. Qual? Seja qual for centenas de milhares de pessoas não poderiam estar erradas. As músicas altíssimas cantadas num frisson de louvor, os gritos de adoração contemplados à palavra amor, deveriam estar certos, afinal. Assim andou. Quanto mais andava, mais se avolumavam igrejas e, junto delas, opiniões, palavras, homilias, pregações, baterias, gritos, violões... Mas seu coração não se preenchia. Porém, o vazio que antes incomodava, passou a ser um estranho conforto, pois, ao viver o vazio, o silêncio o despreenchia e ele achou isso bom. No entanto, o reconforto vinha com a culpa de ser diferente, de não ter seguido o chamado... Via a alegria dos outros, mas o incomodava a verdade que ali não sentia como sua e essa culpa o fez gritar ainda mais alto internamente. Neste momento, um simples jardineiro que o observava, pois José estava sentado no banco de uma praça, se aproximou lhe despertando os olhos para as flores que cuidava. Com seu semblante e gestos livres e despertos, disse:
_ Contemple uma flor... Viu? Deus está nos silêncios... Porque o grito?
Naquele momento, José percebeu que havia, há muito, obedecido ao chamado e que, com o auxílio daquele jardineiro que estava a semear, todo o barulho cessou em sua alma, seja externo ou interno, fazendo de sua vida uma comunhão ao silêncio e dele um testemunho íntimo em cada flor que passou a cultivar.

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