sábado, 22 de fevereiro de 2014

Entrelinhas - Espelhos


Ele havia lido em um livro de Mia Couto um diálogo que o impressionou bastante:
            _ Pai, a mãe morreu?
            _ Quatrocentas vezes.
            _ E ela está enterrada onde?
            _ Ora, em toda parte.*
            Ficou imaginando como isso seria possível. Quatrocentas partes de sua mãe em quatrocentos lugares diferentes... Isso, além de impossível era grotesco e logo desviou seu pensamento para algo que lhe parecia mais apropriado: se a lei da reencarnação estivesse certa, estaria explicada a questão..., mas não acreditava nisso; sua igreja não permitia, e era isso para ele muito mais cômodo, pois evitava mirar os espelhos de sua alma. Porém, nada disso teria importância se uma profunda sensação de estar incompleto não persistisse em sua vida, como se os mesmos espelhos, estando a quebrar, lançassem seus cacos a refletir tempos escusos, o que trouxe ainda mais angústia pois, a partir daquele momento, pôs-se a procurar por ele mesmo.

* Antes de nascer o mundo – Mia Couto.

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