quarta-feira, 18 de junho de 2014

A Campa Viva

A morte andava a ser íntima daquela família. Exercia-se com dedicação e visitava-a de quando em sempre sem um minuto de trégua. Instalava-se sem alvoroço, sem choro, o que era pior. É na quietude e no silêncio que os vermes trabalham e a pior morte é a que acontece ainda em vida bem aos poucos e devagar. Já não conversavam, apenas suportavam as lembranças de bons dias existentes apenas em sonhos que aceleravam ainda mais o sofrimento da perda do que nunca tiveram e o desejo de que fosse física a empreitada; mas não: era na alma, sem anteparos. A mãe cozinhava para matar a fome; o pai trabalhava para matar o tempo; os filhos morriam um pouco por dia a cada minuto à medida que cresciam, e tudo era silêncio. Assim, enquanto os dias se entrelaçavam com as noites – campa preferida dos mortos – o pai chamou um dos filhos, o mais velho, e quebrando o silêncio disse apontando a terra magra e sofrida em que viviam ao cair de uma das tardes: “Vês? Ninguém assiste ao funeral, grande enterro do dia. Por isso a morte nos espreita e nos é companheira inseparável”. Aproveitando a rara chance da conversa, o menino amiudado arriscou uma pergunta:
_ Pai, por que não vamos embora daqui? Levamos a mãe e os irmãos.

            E a resposta veio fria, como não podia deixar de ser: “Porque já fomos há muito tempo...”

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