sábado, 13 de setembro de 2014

Abandono

Depois daquele dia foi a primeira vez que ela entrou no quarto do filho. Acariciou suas poucas roupas que lhe sobraram da infância perdida no abandono e ficou nesta tarefa por horas, até as lágrimas banharem seu rosto que trazia do coração o entendimento de que já não havia mais tempo...

            Ajuntou ele mesmo as tábuas uma a uma. Crivou-as de pregos, reforçando bem o fundo que o sustentaria, ou melhor, que sustentaria sua inexistência. A morte ganhava contornos vivos e tudo era assim: estranho. Queria inexistir, pois assim era lembrado; assim era com todos que morriam. Um dia, feito o caixão, organizou cuidadosamente suas lembranças – cartas, fotografias, memórias de criança – dentro dele, sem se esquecer do que mais lhe afligia: seu presente. Tudo deposto na estranha padiola, pôs-se a escavar lentamente como quem sorve cada pá de terra, extasiado em sua própria ação de (a)sumir. Ao vê-lo abrir a terra, a mãe não sustentou a capacidade da ausência que lhe infligiu na vida e o percebeu tarde demais...
            _ O que está fazendo?
            E a resposta veio fria. Rígida.
            “Estou a enterrar a mim”.

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