Vivia em versos quando a criança que eu havia
sido residia em mim sem medo de se mudar. Vibrava quando Deus tocava tambores
no céu, anunciando a festa das águas que viria lavar a terra. Nessas ocasiões,
construía imensos navios e me colocava a deslizar com eles pelas encostas das
esquinas e tudo eram sonhos de papel que naufragavam na mesma proporção dos
aniversários que fazia. A vida tinha um sabor peculiar, adocicado por completo,
bem diferente do agridoce inicial e do azedume final que não me permitia
entender o porquê da desesperança amarga dos mais velhos. Logo percebi que os
sabores nos ensinam onde a vida está ancorada...
Que saudades do tempo onde os muros dos
jardins nos protegiam lá de fora e de quando a ameixeira em matrimônio com a
goiabeira sustentava em seus galhos entrelaçados o meu peso irrisório de
criança, “com leveza de zéfiro levantando cortinas”, enquanto a Henriqueta
irrequieta germinava para mim e em mim em estado de poesia.
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