terça-feira, 27 de maio de 2014

Entrelinhas - Maternidade

Maternidade era uma das palavras esquecidas no seu dicionário. Era fácil demais para algumas pessoas pensar nisso, não para ela, de corpo perfeito e vida em liberdade. Por isso, seu ventre crescido estava na contra mão de todos e recordava sua rejeição. Daquele invólucro perfeito ficariam cicatrizes, marcas que sobreporiam ao efemeramente físico e atingiriam sonhos interrompidos. Dejanira era mulher do mundo; este era o seu resguardo que nunca pensou em abandonar, nem sequer substituí-lo por um momento que fosse. Sentia-se sem vida, apesar da vida que crescia dentro de si e, mesmo sendo agora duas, teimava-se em sua solidão. O tempo passava, mas não levava a angústia que aumentava a cada dia que a circunscrição de seu estado apontava. Já dividia seu alimento sem sua permissão; como seria dividir o resto? Era o que pensava desolada e inquieta. Só havia um jeito: acabar logo com aquilo. Porém, o feto crescido já era uma criança e, antes mesmo de pensar em qualquer outra coisa, de seu corpo redondo começou a emergir um líquido que, ao rebentar da bolsa, jorrou junto uma sensação indefinível que a urgência do momento não permitiu reflexões. Elas só vieram quando, já com a criança liberta deitada em seu peito em meio aos médicos, começou a cantarolar uma cantiga de ninar no mesmo momento em que seus seios saciavam o filho que calava a ouvir. Seus olhos recém maternos se iluminavam, o coração que antes rejeitava agora acalentava e punha-se a descobrir uma desconhecida impressão felina e protetora. A mulher do mundo sem fronteiras não sabia se o choro convulso que irrompia naquele instante era amor ou remorso, talvez os dois. Aquele momento eternizado na música que embalava sua criança, fazia-se pensar: afinal, é a mãe que dá a luz ao filho ou é o filho que faz nascer a mãe?

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