quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Era Uma Vez na Loja



Hoje os tempos são muito modernos. Compramos quase tudo pronto, de mantimentos a vestuários. Mas houve uma época em que não era bem assim. As roupas que usávamos, por exemplo, eram feitas a mão; aliás, muito bem feitas com técnica e arte, e as moças da sociedade frequentavam lojas de artigos de costura. À bem verdade, uma coisa ainda não mudou: O bom e velho costume de entrar em uma loja...

“Pois não, o que deseja?”

Não, nada... Eu só vim dar uma olhadinha...”

Vinte Reais e sessenta e sete centavos.”

Como?”

Vinte Reais e sessenta e sete centavos.”

Não... Eu não perguntei o preço de nada...”


Não... A senhora não entendeu... Vinte Reais e sessenta e sete centavos é o custo da olhadinha.”

Custo da olhad.... Como é que é?! Paga para olhar?”

“Como não... Pagamos pra tudo nessa vida! Pra nascer, pra viver, pra comer, pra vestir, pra beber... Até pra morrer precisamos pagar, sabia? Vinte Reais e sessenta e sete centavos.”

“Não... Eu acho que não estamos nos entendendo bem...”

“Eu estou entendendo muito bem! Você não veio olhar as mercadorias?”

“Sim, mas...”

“Então! São vinte Reais e sessenta e sete centavos por olhada...”

“Mas isso é um absurdo, minha senhora...”

“Absurdo? Por que?!”

“Ora, por que... Porque nunca ninguém cobrou por se olhar nada por aí!”

“Aí a senhora se enganou...”

“Como me enganei? É claro que não me enganei!”

“Se enganou, sim! Primeiramente eu não sou ‘ninguém’... Meu nome é Marineide, e segundo aqui não é ‘por aí’, é uma loja.”

“A senhora está de gozação comigo...”

“Hum, hum... Não estou não... E é bom a senhora ir se apressando porque já está estourando o seu tempo. Daqui a pouco terá que pagar multa.”

“Multa?! Mas multa de que?”

“Multa pós temporal.”

“Multa pós temporal?! Mas o que é isso?”

“É a multa que se paga por ficar determinado tempo na loja e não olhar nada. Ou a senhora acha que vai embora sem pagar?”

“Mas pagar o que se não comprei nada!”

“Não comprou porque não quis, e nem está olhando porque não quer! Mas se vai ter que pagar, ah isso vai...”

“Olha aqui... A senhora só pode estar mesmo é de brincadeira... Eu vou embora. Thau!”

“Ah, mas isso é que não! Entrou na loja tem que pagar!”

“Mas isso é um roubo!”

“Roubo é o que a senhora está fazendo!”

“Eu?! Roubando a senhora? Eu não estou entendendo nada...”

“Roubando, sim! Roubando o meu tempo!”

“Ah, roubando o seu tempo...”

“Meu tempo, sim senhora! Poderia estar fazendo um milhão de outras coisas... Tempo é dinheiro!”

“É... Estou vendo! Para a senhora tudo é dinheiro...”

“Estamos começando a nos entender...”

“Estamos nada! Estou achando é tudo isso muito absurdo! Quer saber? Eu vou embora e não vou pagar por olhadinha coisa nenhuma!”

“Se não pagar para olhar, então vai ter que comprar!”

“Mas eu não quero comprar nada!”

“Então por que entrou?”

“Entrei... Ora, entrei... Entrei porque entrei!”

“Então a senhora é assim, é? Entra em tudo? Não pode ver nada que já quer entrar...”

“A senhora já está me ofendendo!”

“Ofendendo está é a senhora! O que acha que eu sou? Estou aqui no árduo ofício do meu trabalho quando chega a senhora, me faz perder o meu tempo e ainda quer sair sem pagar?”

“Mas pagar o que se eu não... Está bem! Está bem... Calma, calma... Eu estou calma, a senhora está calma... Vamos começar de novo, está bem? Estou vendo que não vou sair daqui enquanto não comprar alguma coisa, não é?”

“Hum, hum... “

“Então não tem problema! Vamos começar de novo...”

“Pois não, o que deseja?”

“Uma agulha para costurar.”

“Ah, não começa...”

“Não começa o que, minha senhora?”

“Todas as agulhas são para costurar!”

“Todas não! Existem agulhas para tocar disco, agulhas para...”

“A senhora está vendo aqui algum disco?”



“Não, mas...”

“O que se faz supor que é uma loja de artigos de costura e, sendo assim, todas as minhas agulhas são para costurar!”

“Está bem, está bem, está bem! Me dê uma de suas agulhas.”

“De qual tamanho?”

“Qualquer um!”

“Qualquer um não tem! Tem de 10, de 12...”

“De doze! Me dê uma agulha de 12!”

“Uma só?!”

“Sim! Uma só!”

“Não posso...”

“Não pode?! Mas como assim, não pode?”

“A senhora acha que eu sou besta? Não, olha só pra minha cara e responda: a senhora acha que eu tenho cara de que? A senhora acha que eu sou besta!”

“Eu não estou entendendo....”

“Ah, não está entendendo... A senhora é muito bonitinha... Eu explico, minha senhora, eu explico... A senhora vem aqui, entra na minha loja e agora me pede apenas uma agulha de 12?! A senhora acha que eu sou besta!”

“Mas, mas...”


“Não tem mais, nem meio mais! O negócio é o seguinte: se o preço da olhadinha é vinte Reais e sessenta e sete centavos, a senhora tem que comprar alguma coisa, no mínimo, de vinte Reais e sessenta e sete centavos! Como a senhora me pede apenas uma mísera agulha que custa apenas quinze centavos?!”

“Ah, eu não posso acreditar no que estou ouvindo... A senhora é louca! Lou-ca!”

“Ah, mas isso é que eu não sou mesmo! Louca é a senhora que me pede apenas uma mísera agulha! Se quiser agulha terá que levar... Deixe-me ver... Deixe-me ver... 137,8... Bem, arredondando pra menos, para ajuda-la, a senhora terá que levar 137 agulhas.”

“Olha aqui... Quer saber de uma coisa? A senhora já me fez perder a paciência! Eu não vou levar nada e nem vou pagar nada, ouviu bem? E tem mais... Se a senhora insistir vou chamar o Gerente para exigir a sua demissão. Gerência... Eu quero falar com a Gerência!”

“Marineide! Marineide, ô, Marineide... Está de novo apurrinhando os clientes... Vai para dentro, Marineide, vai para dentro! Já te disse para não fazer mais isso... Ô, minha senhora, me desculpe... Marineide é nossa empregada, e ela não bate muito bem da cabeça, sabe? De vez em quando peço a ela para ficar na loja enquanto dou uma saidinha, e...”

“Não, não... Tudo bem... Eu percebi mesmo que... Bom... Não tem problema...”

“Mas o que a senhora deseja mesmo?”

“Não, nada... Na verdade eu só passei para dar uma olhadinha...”

“Ah, uma olhadinha? Claro! São vinte Reais e sessenta e sete centavos.”

“Ah, não! Vai começar tudo de novo??”

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